A grande aventura de Nara
David Pintor
Caminho
Há muitas formas de ler o mesmo livro. Cada leitor tem a sua, cada contexto proporciona ecos distintos e dialogantes.
Por isso, aquilo que commumente se designa de qualidade verifica-se também na multiplicidade possível de recepções. Afirmar que logo na primeira página a figura de Nara pode remeter para o traço de Tony Ross e nas páginas seguintes nos questionarmos se não haverá ali nada de Peter Reynolds, é um caminho de percepções. Se esta associação inicial pode condicionar a leitura – da qual emerge “Catatuas” de Quentin Blake quando Nara e o seu cão voam à boleia do balão vermelho que as aves caprichosamente rebentam, ou uma inversão de “Onde vivem os monstros” de Maurice Sendak quando Nara e o cão se despedem dos elefantes depois da festa – provavelmente sim. São associações livres que decorrem do espanto de quem lê em diálogo com as suas referências.
Porém, mesmo constatando que não é a estrutura retórica da narrativa que proporciona tais jogos de pensamento, é certo que há na sequência das ilustrações algo de valioso que potencia a liberdade leitora.
Neste álbum sem texto, David Pintor instaura um ritmo de aventura em que as peripécias se sucedem a cada página dupla sem que seja precisa uma única palavra. A estrutura obedece a uma lógica sequencial e apela à imaginação e à fantasia. Não há nada de extraordinariamente original na forma com trata o tema da viagem: gozo, acidente, acaso, descoberta, ganho. A circularidade impõe-se com o regresso do foguetão a casa mas a presença de um novo balão deixa em aberto a possibilidade de se viverem novas aventuras. A expressividade da protagonista, a cumplicidade entre ela e o seu parceiro de aventura canino, o humor e os detalhes dos gestos ou dos comportamentos servem o lúdico sem pretensões e com uma simplicidade empática. Os pequenos saltos contextuais não cedem à tentação de explicar nada, pelo que cabe a cada um ler a sua história, a que ali se decifra e as que lhe podem ser associadas.