Seis histórias de tamanhos diferentes que me aconteceram ao mesmo tempo
Patrícia Portela
Catarina Sobral
Bruaá
A crítica literária pressupõe, tanto ou mais do que um juízo, uma perspectiva de leitura, um ângulo que não pretende esgotar o sentido da obra mas sim seguir um caminho próprio. Nessa lógica funcionam estratégias, intuições e, evidentemente, interpretação. O mais fértil dos terrenos é o da figuração, entre metáforas, imagens, associações e outros recursos retóricos. O não dito, o sugerido, o inferido permitem caminhar entre texto, imagem se a houver, e o contexto.
Serve o preâmbulo para justificar a dificuldade criada logo no início deste livro ilustrado pela sua introdução. Nela, Patrícia Portela explica com clareza indesmentível ao que vem o texto: desconstruir, desestruturar, confundir, provocar serão efeitos previsíveis da leitura. Segunda a escritora, acresce ainda um grau de saúde mental a quem nada ou pouco perceba do que se propõe começar a ler. Cabe então a cada um aceitar e acreditar ou não no que estará prestes a acontecer.
E acontece, com grande probabilidade. Nas histórias curtas o efeito surpresa deriva da imprevisibilidade de associações que se tecem numa lógica de causalidade surpreendente ou, até, inverosímil. Do prédio com duzentos andares que a protagonista desce ao pé coxinho à cidade nua de quem se torna amiga, tudo soa deslocado. Porém, é nas de maior dimensão, sobretudo em “Fazer figura de urso” que o processo do absurdo se tece entre uma sequencialidade sem relação, hipérboles que atenuam o efeito de realidade, referências históricas e literárias, o convívio de elementos de contextos distintos… tudo ao serviço de uma poética do pensar e do sentir.
Quem somos no mundo, os nossos processos de identificação e descoberta e as nossas emoções são questões centrais que perpassam as várias histórias e nos inquietam, seja porque se sente a falta de alguém, seja porque nos redescobrimos entre entusiasmos, angústias e desejos.
Tudo isto com um urso como figura de referência, um coração e uma alma que nos abandonam, uma pessoa importante que vive na lua ou um pai-árvore em plena crise da meia-idade. O senso comum virado do avesso provoca estranheza e riso mas obriga o leitor a identificar e a relacionar.
Patrícia Portela afirma, na introdução, que escreveu os textos a partir das ilustrações. No livro não é notório qual o processo criativo. As sequências de imagens representam ou podem representar o texto, assim como as ilustrações de página inteira ou dupla. O estilo de Catarina Sobral, com os narizes acentuados, as formas curvas e a atenção ao movimento de braços e pernas contribuem para o lúdico que vai pairando sempre. É uma viagem, como a que a narradora faz ao circo e à exposição, com o tio urso. Da qual não regressa igual.