Violência de estado no Brasil
A tortura e a morte de um homem – negro, como quase sempre acontece – às mãos da polícia brasileira não se explica, mas reflectir sobre o que aconteceu é essencial.
No passado dia 25 de Maio, no Complexo da Penha, Rio de Janeiro, o Batalhão de Operações Especiais (BOPE), com o apoio da Polícia Federal brasileira, assassinou várias pessoas.
O pretexto da intervenção era o combate ao tráfico de droga e ao crime organizado, o resultado foi uma chacina – e não, como se esperaria num estado de direito, a detenção de suspeitos e o seu julgamento de acordo com a lei. Entre os assassinados, encontrava-se Genivaldo de Jesus Santos, um habitante da Penha. Diagnosticado com esquizofrenia na sequência de uma operação policial anterior, em que se recusou a ser revistado por não compreender o que os agentes policiais pretendiam, Genivaldo foi detido pela polícia e torturado até à morte ao ser fechado no porta-bagagens de uma viatura policial onde os agentes lançaram gás lacrimogéneo. Não chegou vivo à esquadra.
Na revista Quatro Cinco Um, Carlos Adriano escreve sobre o acontecimento, perplexo com o regozijo de Bolsonaro, presidente do Brasil: «Na manhã seguinte (26 de maio), Jair Messias postou congratulações às “Forças Policiais e de Segurança do Brasil (PRF, PF, polícias militares e civis)” sem mencionar Jesus Santos. Na véspera do assassinato de Genivaldo, o presidente elogiou a operação policial na favela na Vila Cruzeiro, dando “licença para matar” e chancelando a chacina, a segunda maior da história da capital carioca, e da qual participou a mesma Polícia Rodoviária Federal. O atual (des)governo não só deu vazão para o que há de mais escroto sair do esgoto e infestar a esfera coletiva, mas legalizou o abjeto e instituiu o ódio como política pública.» Adriano procura um sentido para o que aconteceu, e para as reacções oficiais ao que aconteceu, sabendo de antemão que não o encontrará. Ainda assim, convoca a literatura e a sua capacidade de alcançar o indizível, para depois concluir: «A literatura é uma arte do testemunho, reveladora da dignidade da dor humana e da indignação contra a institucionalização e instrumentalização da dor. Diante da falésia que é a alma mundana, a arte constata a falência do corpo social. O caso Genivaldo é mais uma prova de que a realidade é a fabricação do inimaginável, do inominável, do intolerável. Demonstração contumaz não só do fracasso do escritor — cujo ofício é a (re)criação de realidades — e do leitor, mas também da necrose de uma nação. Ah, Genilvado era preto.»