Espelho Meu Andreia Brites 13 Dezembro 2023

Vinte perguntas
Mac Barnett
Christian Robinson
Orfeu Negro
Tradução de João Berhan

A primeira pergunta é de resposta fácil, basta contarmos os animais que estão nos ramos, nas folhas ou junto à árvore.

Podemos antecipar os desafios que se seguem, apelar a memórias intertextuais: será um livro sobre números?, será um jogo para encontrarmos figuras em que a dificuldade aumenta? Se tivermos lido e relido Catatuas, de Quentin Blake (Editorial Caminho), sabemos como uma contagem pode ser desafiante para a nossa atenção e apelativa ao nosso sentido de humor pelas diversas situações em que as ditas aves se encontram.

Sendo a previsão um processo que relaciona a informação de que dispomos com o nosso conhecimento do mundo, há sempre vários caminhos, sobretudo se aquilo que o livro nos oferece não se limitar ao óbvio.

Neste caso, assim que viramos a página somos colocados perante uma nova pergunta cuja resposta não assoma perante uma observação atenta da ilustração que ocupa. Como podemos adivinhar quantos animais se escondem do tigre se não os conseguimos ver? O mais desconcertante é que essa é a assunção da própria pergunta: “Quantos animais não consegues ver porque se escondem do tigre?”

A partir daqui o leitor reagirá de acordo com o seu perfil em busca de uma lógica que justifique a inusitada questão ou pelo menos que o satisfaça. 

À medida que se avança na leitura das questões e nas ilustrações que lhes dão referente, o leitor dá-se conta de que não há uma resposta a descobrir, haverá a possibilidade de construir respostas. 

A oitava pergunta implica diretamente o leitor e aclara assim a intenção do livro: “E o que farias se o encontrasses?”

É essa a intenção do álbum: levantar questões sem resposta única ou previsível. O que as vinte perguntas propõem é que sejamos nós, leitores, a responde-lhes, individualmente, a par, em grupo, em voz alta ou em silêncio, criando narrativas ou exposições argumentativas. Tanto faz. O livro oferece toda a liberdade ao leitor e sedú-lo para um jogo extremamente importante: o do questionamento. 

A partir do momento em que nos libertamos da angústia da resposta única começamos a desfrutar do humor das situações, do absurdo das associações e podemos até replicar propostas previamente apresentadas. Há um elefante na praia, um leão que oferece um presente a uma ovelha, um homem que acorda com uma pancada enquanto outro dorme na cama ao lado, uma vaca numa pá de uma turbina eólica… 

Podemos catalogar este como um livro-jogo, que o é. Todavia, a etiqueta serve de pouco sem a intencionalidade que lhe dá forma e qualidade. No caso de Vinte perguntas o jogo é repetível e legível por todas as idades, em grupos de dimensões variáveis, por um leitor em vários momentos. Provavelmente porque a arte de fazer perguntas também passa por aqui, pela arte de enriquecermos as respostas com inúmeras possibilidades em desenvolvimento.

→ orfeunegro.org