Todos contam
Kirstin Roskifte
Lilliput
Tradução de João Reis
O sentido mais imediato do título, em relação com a ilustração da capa, tem uma intenção moral. Todos contam significa que todos são importantes.
Porém, o primeiro nível de leitura do álbum centra-se na enumeração gradativa e sequencial de pessoas que tem início numa única e termina com mil. Ou seja, o sentido de contar afinal é enumerativo. O exercício de previsão estava incorreto? De maneira nenhuma.
A construção do livro atenta a múltiplos elementos que eleva a sua leitura para o questionamento, a criação de narrativas, a identificação de pormenores que respondem a desafios. A cada página (podendo também acontecer numa meia página ou numa página dupla) há uma descrição visual e textual de uma situação geral e outras particulares. A informação textual é sempre insuficiente para que, numa primeira leitura, se consiga fazer uma correspondência com a ilustração. À medida que o número de pessoas aumenta, também os contextos espaciais se vão alterando e os detalhes multiplicam-se. A dificuldade em estabelecer associações aumenta, embora existam referências que se cruzam e que permitem ao leitor deduzir que há relações estabelecidas entre personagens e ações.
No final do álbum alguns dos mistérios são desvendados através de breves narrativas. Antes disso, elenca-se um conjunto de perguntas que motivam para a releitura.
O álbum tece um exercício entre o existencial e o quotidiano que convoca ao questionamento, à surpresa, ao desafio, como deve acontecer com a leitura. Sendo um álbum ilustrado, esta composição ganha ainda mais subtileza pelo equilíbrio com que apresenta cada quadro, pela retórica indicativa e objetiva. A neutralidade com que se descrevem emoções, desejos e pensamentos das personagens tem um efeito de identificação ou reconhecimento. E coloca-nos a todos nessa mesma geografia dos afetos, das relações, dos lugares. Seja num aniversário de família, numa maratona, no supermercado, num enterro, numa escada rolante, numa biblioteca, numa prisão, numa manifestação, num hospital ou numa sala de aula. Sejamos novos ou velhos, homens ou mulheres. A dimensão das personagens vai diminuindo à medida que os espaços físicos aumentam. Entre as cores vivas, os objetos e os movimentos que compõem cada ilustração, há sempre lugar para mais. Assim se cumpre a duplicidade de sentido do título e da intenção temática do livro.