Espelho Meu Andreia Brites 23 Março 2023

Quero tanto estar contigo
Taro Gomi
Orfeu Negro
Tradução de Nuno Quintas

A simplicidade dos álbuns do japonês Taro Gomi pautam-se por uma atenção cuidada às emoções mais universais. Quero tanto estar contigo reitera essa condição e explora-a com um sentido de humor associado a ações inusitadas de desfecho imprevisível.

Coincidência feliz, Michiko e a avó acordam, no mesmo dia, cheias de saudades uma da outra. Decidem ambas visitar-se e, sem comunicação, desencontram-se mais do que uma vez. O leitor vai seguindo as aventuras e desventuras de ambas alimentando as suas expectativas. 

Taro Gomi usa com mestria os recursos visuais ao serviço da narrativa para apresentar ao leitor a simultaneidade das ações das duas personagens e os seus sucessivos desencontros. Com o percurso como base diegética, a primeira página dupla é um plano geral que permite ao leitor não só localizar a casa de Michiko e da avó, nos extremos da ilustração, como identificar a distância e os percursos possíveis entre ambas. A eventual curiosidade está em confirmar se o leitor se apercebeu, no primeiro contacto com esta imagem, da estrada e da linha férrea que ligam as duas casas. 

Depois desta introdução textual e visual, a ação começa a desenrolar-se a par: na página da esquerda assistimos ao que Michiko faz, enquanto que na da direita seguimos os passos da avó. Como aqui o plano é mais fechado, centrado nas duas personagens, já não acedemos à totalidade do caminho e sim a sequências do percurso. O paralelismo do texto nunca refere diretamente os desencontros mas deixa pistas nesse sentido, que se confirmam nas ilustrações. Assim, a vontade de avó e neta ganham uma dimensão heróica e o encontro um desígnio quase místico. Evidentemente, e é aqui que Taro Gomi é exímio, esta componente de superação alicerça-se numa composição expressiva das personagens e dos seus contextos, progressivamente mais agitados, que confere à narrativa o humor que a liberta de qualquer carga moral. As figuras de rostos redondos conseguem, na simplicidade do traço, revelar frustração, determinação e alegria e os tons castanhos, laranjas e vermelhos enquadram a história num ambiente acolhedor e afetivo. É uma ode ao desejo de estar com o outro, à persistência e à liberdade de agir. 

Originalmente editado no Japão em 1979, o álbum chega em boa hora. Nada o restringe a um tempo ou a um lugar. Ao contrário, tudo o eleva para a alegria de viver, com a maior das simplicidades. 

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