Espelho Meu Andreia Brites 18 Novembro 2021

Que ossos curiosos!
Janet & Allan Ahlberg
Kalandraka 
Tradução de Carla Maia de Almeida

Este álbum ilustrado desconstrói símbolos e figuras associadas ao terror, como o escuro e os esqueletos. Logo a capa evidencia esse jogo, com a apresentação das três personagens fantasmagóricas em poses divertidas, contrastando com o preto da noite. O enquadramento, porém, conta com a presença de estrelas e da lua, assim como a erva e as flores no terreno onde pisam. O título reforça a ideia quando qualifica os ossos como curiosos, deslocando a expectativa do leitor do medo para a curiosidade e para o humor.

Toda a narrativa, na sua linearidade sequencial, confirma esse diálogo entre o extraordinário e o ordinário: não fora pela condição esquelética do adulto, da criança e do cão, e por decidirem dar um passeio nocturno, e tudo seria de extrema banalidade. Ora, é justamente aí que reside o jogo: o leitor espera que algo igualmente inusitado se passe, correspondendo ao perfil das personagens. 

Mas efetivamente a família sai para passear o cão, como qualquer outra, passeia até ao parque, anda de baloiço e tem um pequeno acidente, como tantas vezes acontece. É certo que neste caso o acidente é insólito, provocando um momento de humor e acentuando a verosimilhança dos esqueletos. Mais à frente na narrativa, haverá outra situação deste género, coerente com a existência dos três esqueletos, como se tal fosse perfeitamente plausível.

Ao mesmo tempo, o plano da dupla é assustar alguém para se divertir, o que logo ecoa halloween ou carnaval e mantém elevado o humor e a expectativa de que tenham sucesso. 

Tal não acontece e a solução encontrada está ao nível do sentido lúdico mais elementar e, consequentemente, passível de ser levada a cabo por qualquer par de leitores. A dinâmica entre o estranho e o familiar funciona assim até ao final.

O álbum pode considerar-se próximo da banda-desenhada, entre ilustrações de página inteira ou dupla e sequências de vinhetas de dimensões distintas. Os diálogos replicam-se no corpo de texto e nos balões de fala, com alguns detalhes a marcarem a diferença. Uma palavra final para a tradução que limpa todo o ruído, imprime ritmo e alimenta a ingenuidade do texto.

→ kalandraka.com