O Tigre
Joël Dicker
David de las Heras
Alfaguara
Tradução de Susana Sousa e Silva
A primeira narrativa do escritor suíço chega agora em Portugal, numa edição ilustrada pelo espanhol David de las Heras. A dimensão do volume e as ilustrações no interior podem induzir o leitor em erro: não se trata de um conto infantil, sequer juvenil.
O nível de violência que perpassa por toda a ação não se cinge a meras descrições sanguinárias, jogando com mestria com deduções do leitor a partir do sugerido no texto. Trata-se de uma narrativa linear do ponto de vista formal, que começa por apresentar uma situação para em seguida acompanhar o seu desenvolvimento através das iniciativas de uma personagem. Será aliás essa perspetiva porventura o elemento mais cruel da história, quando chegados ao clímax diegético.
O tigre que figura no título é um animal de grande porte, terrífico, que dizima aldeias chacinando pessoas e animais na longínqua Sibéria. As consequências dos seus atos, a quem ninguém consegue por fim, ganham uma dimensão simbólica e é neste ponto que a subtileza narrativa investe.
Para além da moral do conto – que é apresentada no final do livro com toda a clareza, depois da batalha entre o Tigre e o outro protagonista, um jovem que empreende a missão de o matar – há um contexto de crítica mais amplo que vai da identidade nacional e o poder político à condição humana.
O medo e o poder regulam a perseguição do tigre e são calculados pelo czar quando este propõe uma recompensa pela morte do animal.
Este conto poderia ser herdeiro dos clássicos russos, dos naturalistas e realistas franceses, de Eça de Queirós. Pelo tema, pela estrutura e sobretudo pela diversidade e rigor lexicais. Através destes recursos, a voz narrativa transmite uma carga dramática envolta em aparente objetividade que garante ao texto uma tensão crescente e ao leitor o questionamento sobre as personagens, mormente sobre Ivan Levovitch, o caçador furtivo.
Embora não seja um livro juvenil, é um texto escrito por um jovem, cuja ação decorre no início do século XX na Rússia, país que mudaria radicalmente de configuração política e geográfica menos de duas décadas depois, à imagem de uma escola literária oitocentista. Trata-se de um objeto de interessante leitura, pelas possibilidades que se colocam, quer ao nível da relação com a obra do escritor, quer ao nível do contexto narrativo, quer ainda no diálogo que consegue estabelecer entre épocas: a do conto, a do escritor quando escreve a obra na viragem do milénio e a do leitor que a lê hoje.