Espelho Meu Andreia Brites 28 Dezembro 2022

O avô minguante
Daniela Leitão
Catarina Silva
Pingo Doce

A 9ª edição do Prémio de Literatura Infantil Pingo Doce distinguiu este projeto, agora editado, como vencedor. 

É uma narrativa ilustrada sobre a passagem do tempo na relação entre uma criança e o seu avô. A consciência dessa dimensão vai-se tecendo na aproximação das alturas dos dois, o que se revela bastante bem percepcionado. Quem nunca passou pelo desejo de alcançar a altura de um adulto na infância? Quem não se lembra do marco de crescimento que tal alcance significava? 

Ainda, a imensidão dos volumes que vão diminuindo e até perdendo parte da sua imponente magia à medida que os olhos acompanham o desenvolvimento do corpo e da experiência?

O avô que era um enorme mistério era igualmente um colo gigante, de mãos fortes e braços seguros. Era alguém que protegia, cujo olhar reconhecia o não dito, que confortava. O ninho era a sua casa, diferente das demais, romântica no minimalismo e nas palavras contadas e lidas.

Os passeios de sábado eram rituais no bairro, a exploração de um território de estabilidade e biografias. 

A primeira ida à praia e um ensinamento sobre a memória. Ao leitor adulto ecoa a sua própria nostalgia, de um adulto de referência ou de fragmentos de vários que igualmente se compõem num puzzle de inocência afetiva. O que o leitor adulto sabe, e o leitor infantil não (ou assim se deseja), é que este encantamento tende à finitude, inevitavelmente. Por isso, quando o narrador começa gradualmente a alterar as suas prioridades e curiosidades, quando se apercebe das mudanças no bairro ou se vê tentado a escolher passear com os amigos e não com o avô, o leitor adulto teme o fim. Provavelmente a criança não.

Daniela Leitão e Catarina Silva

Porém, o que Daniela Leitão consegue com muito mérito, é fechar a narrativa sem sentido trágico ou moral. Lidar com essa inevitabilidade pode acontecer com afeto e adaptação à mudança, ao que o tempo traz. 

A ilustração representa esses exatos momentos inesquecíveis, plenos de carga simbólica, seja pelas laranjas do quintal que transvasam para todas as páginas, seja pelo cadeirão do avô, pelas suas mãos ou pelo banco que usa para chegar às copas das árvores. A escolha de uma paleta reduzida de cores – laranja, verde e azul – colabora com este sentido melancólico, sem euforias. É uma narrativa introspectiva e poética, que elege a memória e o tempo como valores a preservar.

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