Hachiko, o cão que esperava
Lluís Prats
Zuzana Celej
Fábula
Tradução de Artur Guerra
A história é real e já mereceu adaptação ao cinema. Passa-se no primeiro terço do século XX, entre 1924 e 1935 num bairro de Tóquio, Shibuya, onde se situa a estação de comboios mais movimentada da capital japonesa. Relata a vida de Hachiko, um pequeno cachorro que cria tamanho laço com o seu dono que, depois da sua morte, continua a esperar por ele diariamente na estação de comboios, durante dez anos.
Se a história real é extraordinária e comovente, a narrativa que agora se reconta acrescenta-lhe o que a literatura consegue: uma retórica da beleza, da lentidão, da ética.
É surpreendente como um escritor catalão contemporâneo consegue apagar as marcas europeias da prosa e transporta os leitores para uma geografia e uma época tão particulares e distintas. Provavelmente, um leitor especializado na cultura japonesa encontrará falhas no discurso. Porém, ao leitor comum é oferecido um ambiente bucólico, fortemente marcado por sons, odores e imagens que remetem para a contemplação e o deleite com rituais. O tratamento formal, mesmo entre o casal que acolhe Hachiko, bem como os diálogos entre as várias personagens contribuem para uma solenidade que carrega de importância a incondicional fidelidade do cão.
A ação é lenta e repetitiva, marcada pelo quotidiano rotineiro do professor Ueno com Hachiko, entre as manhãs antes das aulas na universidade e o final das tardes, aquando do regresso do professor. Desde cedo que Hachiko acompanha o dono até à estação de comboios pela manhã voltando pelas 17.30 para o esperar na plataforma. Da cumplicidade entre ambos se tece a primeira parte da narrativa. E aqui se estreitam outros laços entre os trabalhadores da estação e o cão. Na segunda parte, mais triste, o leitor acompanha Hachiko na sua missão de esperar o regresso impossível de Ueno. Esta determinação fiel leva-o a sofrimentos vários e ao reconhecimento e admiração das pessoas que assistem ao seu comportamento dia após dia, ano após ano.
O final salva, de alguma forma, a angústia prolongada do animal com uma recompensa, ainda que esta se manifeste no domínio da fé. No entanto, o pacto leitor levará grande parte dos que lêem a narrativa a desejar que assim seja, independentemente das suas convicções e ideais.
Tudo na narrativa reporta à introspecção. Nada se manifesta sem contenção. Exige por isso um ritmo próprio, contrário em tudo à velocidade histriónica de muitas ficções, sejam elas infantojuvenis ou para adultos. A sua leitura desafia e o leitor tem de permitir-se esse desafio.