Espelho Meu Andreia Brites 2 Janeiro 2024

Esta história 
David Machado
João Fazenda
Caminho

Narrada em diálogo entre um adulto e uma criança, esta é uma tentativa vã de sedução, o que, dependendo do posicionamento do leitor, pode ser bastante divertido.

Com o sentido crítico e a acutilância que marca a sua identidade literária, David Machado replica com simplicidade e sentido de humor uma situação de que muitos pais e professores se queixam. As crianças não gostam de histórias de qualidade e preferem-nas pejadas de elementos disparatados e sem interesse.

Ora, nesta conversa, o adulto elenca todos os argumentos que considera válidos para justificar a escolha de uma história perante as interrupções constantes da criança que, com igual persistência, apresenta argumentos para a sua rejeição.
Confrontam-se assim dois tipos de critérios que nunca se tocam e que definem muito mais do que o explicitado no texto.

Por um lado, temos uma história que se considera transformadora, intemporal, bela, harmoniosa e cheia de valores que ajudará a moldar a criança e contribuirá para o seu desenvolvimento intelectual, moral e estético. Por outro, temos contextos de terror, violência, ação, absurdo e muita fantasia.

A ilustração de João Fazenda distingue igualmente os dois universos. A contenção de cor, cingida ao contorno de elementos, todos eles naturais, e o destaque de palavras-chave que categorizam a qualidade indefectível da história proposta pelo adulto, definem e balizam o universo a que reportam. Inversamente, as páginas completamente preenchidas de personagens dinâmicas, movimento e ações inusitadas, com cores fortes e fundos completamente preenchidos representam a rigor o entusiasmo e a expectativa criada pelas histórias eleitas pelo jovem leitor.

Recuperemos o conflito entre adulto e criança. Caberá a cada leitor avaliar a sua posição e que mensagem é então a deste álbum ilustrado. Que significado tem o final para o sentido da narrativa? Estarão os adultos mediadores de um ou do outro lado? Haverá mesmo dois lados nesta barricada? Ou, muito menos a preto e branco, esta situação tão frequente mostra-nos a todos a relevância da atenção que devemos aos leitores, às suas preferências e até ao que consideramos bom. Em última análise, este é um livro que descreve duas formas de falarmos sobre livros. Estas pistas são preciosas para disseminar diálogos e promover posicionamentos e análises críticas.

Tudo isto com a simplicidade e a segurança desta dupla de autores.

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