Dioptrias na leitura
Quando ler as letras pequenas se torna difícil, é toda a leitura que fica em risco.
Nenhum elogio à leitura e às longas horas dedicadas ao passar das letras na página – ou no ecrã – resiste à constatação: a partir de uma certa idade, ali pelos 40, mais ano, menos ano, a visão altera-se, a vista cansa-se, a leitura torna-se difícil. Na revista Quatro Cinco Um, um longo artigo de Helena Aragão pesquisa o tema, falando com escritores, jornalistas, leitores, mas também editores, designers, oftalmologistas e especialistas em óptica: «Se antes nunca foram uma questão, fontes pequenas podem começar, com o passar dos anos, a serem vistas (fora de foco) como inimigas. “Compro livros por conta própria desde os doze anos. Vou fazer sessenta. Minha visão está se deteriorando desde os 44”, conta a jornalista Rosane Serro. “Comecei a constatar que nem os óculos estavam dando conta. Comprei um Kindle para poder ampliar a tipologia. A baixa luminosidade [do modelo] me irrita. Voltei para os livros. Continuo sofrendo. As editoras não entenderam que o envelhecimento dos leitores é um fato. Seguem fazendo produtos para quem tem olhos jovens… mas só lê na tela.” O fator geracional é de fato uma questão, afirma Gabriela Castro, do coletivo de designers Bloco Gráfico: “Os designers jovens podem ser influenciados pelos próprios hábitos, que tendem a ser digitais. Por isso, os diferentes públicos precisam ser um ponto central no design de livros”. Ela observa ainda que há designers que querem imprimir sua marca nos livros e se preocupam mais em tornar o objeto interessante graficamente, esquecendo da função principal, que é facilitar a leitura.»
O tema pode parecer acessório quando se fala de livros e de mercado editorial, mas a dificuldade de leitura tem um impacto muito grande na decisão de ler, comprando ou não, um livro, como se lê no artigo: «Num país com cada vez menos leitores, todos os fatores que afastam a população dos livros contam. No Panorama do Consumo de Livros, produzido em 2023 pela Nielsen Data para a Câmara Brasileiro do Livro (CBL), 19% do público consultado que disse não comprar obras novas argumentou ter “dificuldade de leitura/visão”. Cirurgias, lentes multifocais ou um simples par de óculos de leitura podem ser artigos de luxo para uma parcela significativa da população.»
A democratização no acesso à leitura não passa apenas pela disponibilidade dos livros e de outras publicações, nem só pela curiosidade e pela vontade. Se ler é for uma actividade fisicamente cansativa ou até dolorosa, o caminho já está barrado.