Espelho Meu 29 Julho 2025

Bisa Bia, Bisa Bel
Ana Maria Machado
João Fazenda
Tinta-da-China

Quando Isabel descobre uma fotografia de infância da bisavó Beatriz, fica deslumbrada com aquela figura que não conhecera e que agora se lhe apresenta, com uma idade aproximada da sua.

A partir daí, o fascínio pelo retrato leva-a a estabelecer uma relação com essa figura, integrando-a no seu quotidiano. Tudo se torna ainda mais complexo quando Bel começa a ouvir outra voz, antagónica à de Bisa Bia, que se insurge contra os seus comentários e valores. Os diálogos e os conflitos geracionais surgem inevitavelmente, ainda que num silêncio secreto. Servem a emancipação feminina e o conhecimento de contextos familiares e históricos do início do século XX no Brasil. 
Ana Maria Machado, uma das mais importantes vozes da literatura infantojuvenil brasileira, escreve esta narrativa em 1981, na transição da ditadura brasileira para a democracia. Tendo integrado a resistência dos professores à ditadura militar, esteve exilada e a sua escrita, para adultos e crianças, bem como as suas colaborações na imprensa, nunca deixaram de fora o sentido crítico em defesa dos valores da liberdade, do pensamento progressista e dos direitos humanos.

Nesta obra, uma das mais reconhecidas da autora, consegue com fluidez superar o panfletarismo ou o moralismo numa composição literária que combina a espontaneidade do discurso de Bel com desafios para o leitor pensar.
Narrada na primeira pessoa, a história vai-se alimentando de acontecimentos na escola, rotinas diárias, brincadeiras, encantamentos amorosos, conflitos, relações com adultos. Neste contexto, Bel divaga para as suas próprias curiosidades e descobertas. É assim que nos vai apresentando terminologia e hábitos do passado, de forma integrada e coerente com a progressão narrativa. Ainda, a leveza e simplicidade do discurso comprova que a substância literária não se constitui a partir da complexidade sintática, do cúmulo de recursos expressivos ou de uma estrutura compósita. Numa aproximação contida à oralidade, Ana Maria Machado valoriza o ritmo, os comentários intercalados, as interpelações subtis ao leitor como estratégia.

O resultado é uma obra consistente, cujo momento histórico não limita o seu interesse e, ao contrário, o potencia. Trata-se, assim, de um clássico da literatura infantojuvenil brasileira, por direito. 

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