Espelho Meu Andreia Brites 13 Março 2024

As mãos do meu pai
Deok Kyu Chol
Orfeu Negro
Tradução de Na Young Jung

Capa com cinta.

As mãos do pai podem simbolizar segurança, cuidado, amor e atenção. Podem simbolizar ninho, infância, o lugar primordial de onde um dia se parte mas que nunca deixa de ser o porto seguro. Até um dia. Quando as mãos do pai enfraquecem, se tornam mais frágeis e desprotegidas. Porém, mesmo que percam a função operativa, mesmo que se tornem ineficazes, terão sempre o calor do contacto se encontrarem outras, as do filho.

Este álbum, praticamente sem texto, oferece uma narrativa paralela entre as ações do pai a cuidar do filho e as ações do filho adulto que cuida do pai velho.

Deitar, dar banho, vestir, alimentar, calçar, transportar – em todos estes momentos assistimos ao movimento delicado das mãos num contexto em que os rostos transparecem dedicação, tempo, afeto.

É a estrutura do livro e a técnica da ilustração que criam um efeito emocional sereno, distante dos grandes momentos climáticos, dos gestos histriónicos, das reviravoltas críticas, da ironia e do humor. Esta leitura pede lentidão, uma lentidão celebratória da vida, que integra a velhice que commumente se vive com grande dor e revolta. Trata-se de uma elegia ao amor nessa reciprocidade em que o filho pode devolver ao pai tudo o que este fez por si, não apenas porque recebeu mas sobretudo porque aprendeu. É como se fosse o gesto primordial de estender o dedo ao bebé, que instintivamente o agarra, o primeiro laço entre estas duas mãos; como se ali – na primeira ilustração do álbum – começasse essa aprendizagem do cuidar, esse modelo de amor. As expressões das personagens estão sempre concentradas uma na outra, seja em que momento for. 

No final, o paralelo mostra apenas as mãos de pai e filho. É pelo tamanho de ambas e pela rugosidade da pele que o leitor facilmente reconhece os dois momentos.

Tema raro no álbum ilustrado editado em Portugal, este livro aborda com transparência e sinceridade a fragilidade daqueles que um dia foram a fortaleza dos seus filhos. Apresenta um modelo ético e afetivo sem dogmas ou morais, impositivas ou subtis. Apenas descreve, com detalhe, um conjunto de situações em diálogo que remetem o leitor para uma ligação de confiança e amor ao longo da vida. O efeito do tempo não escamoteia fragilidades e tristezas, oferece as mãos deste filho que assim homenageia o seu pai.

De assinalar que o álbum foi distinguido, nos Bologna Ragazzi Awards, na categoria de não ficção. A dedicatória pelo autor coreano ao seu pai justifica a categoria e acrescenta um maior sentido de verdade à leitura.

→ orfeunegro.org