As mãos do meu pai
Deok Kyu Chol
Orfeu Negro
Tradução de Na Young Jung
As mãos do pai podem simbolizar segurança, cuidado, amor e atenção. Podem simbolizar ninho, infância, o lugar primordial de onde um dia se parte mas que nunca deixa de ser o porto seguro. Até um dia. Quando as mãos do pai enfraquecem, se tornam mais frágeis e desprotegidas. Porém, mesmo que percam a função operativa, mesmo que se tornem ineficazes, terão sempre o calor do contacto se encontrarem outras, as do filho.
Este álbum, praticamente sem texto, oferece uma narrativa paralela entre as ações do pai a cuidar do filho e as ações do filho adulto que cuida do pai velho.
Deitar, dar banho, vestir, alimentar, calçar, transportar – em todos estes momentos assistimos ao movimento delicado das mãos num contexto em que os rostos transparecem dedicação, tempo, afeto.
É a estrutura do livro e a técnica da ilustração que criam um efeito emocional sereno, distante dos grandes momentos climáticos, dos gestos histriónicos, das reviravoltas críticas, da ironia e do humor. Esta leitura pede lentidão, uma lentidão celebratória da vida, que integra a velhice que commumente se vive com grande dor e revolta. Trata-se de uma elegia ao amor nessa reciprocidade em que o filho pode devolver ao pai tudo o que este fez por si, não apenas porque recebeu mas sobretudo porque aprendeu. É como se fosse o gesto primordial de estender o dedo ao bebé, que instintivamente o agarra, o primeiro laço entre estas duas mãos; como se ali – na primeira ilustração do álbum – começasse essa aprendizagem do cuidar, esse modelo de amor. As expressões das personagens estão sempre concentradas uma na outra, seja em que momento for.
No final, o paralelo mostra apenas as mãos de pai e filho. É pelo tamanho de ambas e pela rugosidade da pele que o leitor facilmente reconhece os dois momentos.
Tema raro no álbum ilustrado editado em Portugal, este livro aborda com transparência e sinceridade a fragilidade daqueles que um dia foram a fortaleza dos seus filhos. Apresenta um modelo ético e afetivo sem dogmas ou morais, impositivas ou subtis. Apenas descreve, com detalhe, um conjunto de situações em diálogo que remetem o leitor para uma ligação de confiança e amor ao longo da vida. O efeito do tempo não escamoteia fragilidades e tristezas, oferece as mãos deste filho que assim homenageia o seu pai.
De assinalar que o álbum foi distinguido, nos Bologna Ragazzi Awards, na categoria de não ficção. A dedicatória pelo autor coreano ao seu pai justifica a categoria e acrescenta um maior sentido de verdade à leitura.