
A Chuva Que Lança a Areia do Saara
Ana Margarida de Carvalho
Companhia das Letras
Ana Margarida de Carvalho regressa ao romance com uma narrativa que começa na carroça onde vai Firmino, preso e condenado a trabalhos forçados numa pedreira, e prossegue convocando uma galeria de personagens ímpares que puxarão os vários fios deste gatilho inicial, confirmando a singularidade de uma das vozes mais entusiasmantes da ficção portuguesa dos últimos anos. Um excerto:
«Onde estamos agora? Nunca estamos agora, mesmo que estejamos parados, o presente é um momento da espessura de uma cicatriz, encaixado entre duas inexistências, um passado que não já o é e um futuro que logo à primeira sílaba se torna passado. Tudo é ontem ou está prestes a sê-lo. Olha, agora, vês, já foi. E se te deixasses dessas considerações aristotélicas e te concentrasses nesta estrada desconhecida por onde te levam à tua revelia?
Dizes que tecnicamente isto pode ser considerado um rapto? Não me parece, sou um estorvo, não um benefício, não faculto resgates, não suscitarei buscas, não deixarei saudade. Mas e a tua vontade? Não a tenho própria, apenas boa.» (pg.16)