Saramaguiana
por Carmen Balcells e José Saramago 16 Dezembro 2025
© Agência Balcells

“Encherei a vossa casa de flores quando te derem o Nobel”

A agente literária Carmen Balcells (1930–2015) foi responsável por uma revolução na forma como se estabelece a relação entre autores e editores. A catalã ficou conhecida por proteger e até mimar os seus representados ao mesmo tempo que conseguia que o ofício de escrever fosse mais respeitado e melhor remunerado. Balcells teve nas suas mãos a obra de grandes nomes da literatura mundial, como Gabriel García Márquez, Mário Vargas Llosa e Júlio Cortázar, mas nunca chegou a cuidar da carreira de José Saramago. E não foi por falta de vontade deste, que nos anos 80 lhe escreveu propondo que o representasse. Numa carta enviada a José Saramago em janeiro de 1994, a agente literária recorda essa história, diz-se arrependida de nunca lhe ter dado uma resposta, e termina a mensagem com um vaticínio: um dia José Saramago receberia o Nobel de Literatura e ela encheria a sua casa de flores. A profecia cumpriu-se quatro anos depois e Balcells manteve a sua palavra, transformando a casa de José Saramago em Lanzarote numa pequena floricultura. A Blimunda publica, neste mês em que passam 27 anos da entrega do Prémio Nobel a José Saramago, a carta que Carmen Balcells enviou a José Saramago e a resposta que dele recebeu.

Agência Literária Carmen Balcells S.A
Barcelona, 25 de Janeiro de 1994  

Querido Saramago,

Este ano, se te tivessem dado o Nobel, não te escreveria esta carta. De pura vergonha. 
Faz mais ou menos dez anos, recebi uma carta tua em que propunhas que te representasse. Essa carta ficou na minha mesa do 2º andar quando estávamos a mudar-nos. Algum tempo depois começou-se a falar de ti em todas as partes e eu dizia a mim mesma: “Tens de responder à carta do autor”. Este verão, em que tive o prazer de passar momentos encantadores contigo e com a tua mulher, senti-me péssima e queria que o soubesses.  Em outubro passado dizia-me: “Não escreveste ao José Saramago e agora dar-lhe-ão o Nobel”. Coloco esta missiva no correio e poderia encher a vossa casa de flores quando te derem o Nobel. Espero ter a oportunidade de desfrutar da vossa amizade e companhia no futuro.
Muito sinceramente,

Carmen Balcells


24 de Fevereiro de 1994

Querida Carmen,

Não foi para te fazer sofrer um pouco mais que tardei tanto a responder às tuas carinhosas palavras… Como tu, mas não tanto como tu, fui deixando correr os dias, dizia comigo: “Tenho de escrever à Carmen”, mas depois não escrevia, e assim se foi um mês. Podias hoje ser a minha agente, é verdade, mas o momento em que podia ter começado a acontecer veio e passou, talvez se te tivesse escrito outra carta, mas eu, se desconfio que não me querem, torno-me invisível, desapareço. Confesso-te que durante algum tempo andei magoado, mas isso já não conta. E depois estivemos juntos, conversámos, creio que de repente nos compreendemos. Surpreendeu-me a tua sensibilidade, realmente inesperada numa pessoa que tem fama de ser duríssima nos negócios. Fiquei teu amigo. E isso é o que conta.
Pilar pede-me que te envie um abraço “muy fuerte”, e eu acompanho-a, com mais força ainda, porque, enfim, sempre se diz que os homens são mais fortes. Não fiques triste.
Todo o carinho,

José Saramago