Uns contra os outros
“Os surtos de racismo e xenofobia, sejam quais forem as suas raízes históricas e as suas causas próximas, encontram, em geral, facilitadas as suas operações de corrupção das consciências públicas e privadas, entorpecidas, umas e outras, por egoísmos pessoais ou de classe (…) paralisadas pelo temor cobarde de parecerem pouco «patrióticas» ou pouco «crentes», segundo os casos, em comparação com a insolente propaganda racista ou confessional que, aos poucos, vai despertando a besta que dorme dentro de nós, até a fazer saltar à luz do dia – para a intolerância, para a violência, para o crime”, escreveu José Saramago na conferência Os escritores perante o racismo, de 1996.
O racismo, a xenofobia, o ódio contra o diferente, é algo que tem sido plantado e regado. Nos últimos anos, em toda a Europa, tem aumentado o discurso contra o estrangeiro, atribuindo-lhe a culpa de todos os maus. Em Portugal, país considerado um dos mais seguros do mundo, independentemente das percepções que se querem criar, há um empenho grande em corromper as consciências públicas no sentido de atribuir aos imigrantes a culpa por um suposto aumento da criminalidade que os dados oficiais desmentem.
Também tem ganho espaço o falso discurso de que aqueles que vêm de fora são um peso económico para o Estado, quando na realidade dão um importante contributo para a Segurança Social poder continuar a existir. A diversidade cultural, que deveria ser considerada uma riqueza, também é apontada como uma ameaça por aqueles que trabalham no cultivo do ódio ao outro.
A criação de leis que dificultam o vinda de imigrantes para Portugal, mais do que alterar as regras de entrada e permanência de estrangeiros (com poucos recursos, porque para aqueles que têm dinheiro nunca há dificuldades e são sempre bem recebidos), é uma mensagem que fortalece o a intolerância e o discurso de ódio contra o outro. Segundo dados do Observatório da Emigração, Portugal é hoje o país europeu com maior número de emigrantes (em termos proporcionais). Há mais de 2 milhões de portugueses a viverem fora das fronteiras, o que representa cerca de 20% da população do país. Ainda assim, a extrema-direita tem conseguido fazer crescer internamente a xenofobia. De que forma gostaríamos que fossem tratados os nossos amigos e familiares que decidiram emigrar? Da mesma forma como estamos a tratar os estrangeiros cá?