Saramaguiana
por Pilar del Río 4 Agosto 2025
© António Ribeiro, istockphoto
No mês em que a Fundação José Saramago completa 18 anos de vida, a Blimunda traz as palavras da Presidenta da FJS, Pilar del Río, sobre a maioridade da instituição que ajudou a levantar.

Pilar del Río: Passaram 18 anos, seguimos!

As pessoas, quando nascem, desconhecem o seu destino; as instituições, por outro lado, quando são criadas têm já traçados os seus dias, modos e objetivos de tal forma que descumprir o programa planejado não é fracassar – ato humano – senão é, ou pode ser, um delito. As instituições nascem amparadas por um programa que devem cumprir, não nascem para ser felizes, como as pessoas, embora na origem de algumas instituições o objetivo da felicidade não esteja distante. Digamos que a Fundação José Saramago nasceu para combater o esquecimento, a insensatez, o desprezo a que os seres humanos estão condenados. Ou seja, no fundo nasceu para que o humaníssimo desejo de felicidade possa ser cumpridos não só na vida pessoal daqueles que a geraram, amamentaram, cuidaram e a levaram à maioridade que agora tem, os 18 anos que acaba de completar, vividos dia a dia, tantas vezes contras as marés mais inclementes lançadas por deuses que de mar – e de amar – sabem muito pouco.

Maioridade. Na tarde em que José Saramago aceitou a idéia que lhe foi sugerida por Fernando Gómez Aguilera de criar uma fundação que interpretasse a sua visão de mundo, ou seja, colocasse em marcha uma Fundação que tivesse em conta os seus desejos de vida digna para os seus semelhantes, naquela tarde, decisiva na vida de José Saramago, não se falou de datas, porque há projetos que não têm data de validade. Dizer, naquela época, 18 anos, talvez significasse pouco, mas agora sabemos que, dia a dia, 18 anos é muito, é um esforço invisível que penetra na terra como fertilizante, que está presente e que atua, não se reforma, nem ofende ou humilha, simplesmente repete as palavras de uma declaração de princípios que demonstra que o outro é importante, está aqui, que é nossa incumbência, e nela seguiremos.

A Fundação nasceu para compartilhar culturas e abrir espaços. Também para dizer, na hora certa e também fora de hora, que a Declaração dos Direitos Humanos é uma constituição suprema da humanidade e que enquanto houver pessoas sem teto, sem água, sem escola e sem cuidado médico, viveremos fora da ordem que deveria governar o mundo; e que se permitimos que haja guerras, que a Terra esteja repleta de violência e genocídios (ostensíveis ou silenciosos), é porque aquilo que nos diferencia dos outros seres vivos, o uso da razão e a potência da consciência, desapareceu do planeta. O que levaria a retirar do dicionário e da vida o conceito de dignidade e colocar no seu lugar o “salve-se quem puder” que cada dia está mais em voga.

A Fundação nasceu para contrariar esse modelo, também para ser eco das melhores vozes que existem. Música, teatro, poesia encheram a casa central da Fundação e se espalharam pelo mundo como mensagem de convivência e reconhecimento, cumprindo assim o que está escrita na certidão de nascimento da fundação. A Declaração Universal de Deveres Humanos, projeto irrenunciável que obriga as pessoas, a sociedade e as instituições, tem um passo lento mas permanente. “A vida”, dizem, “já é muito difícil para assumirmos mais deveres”, e não é assim, pelo contrário, se todos estivéssemos implicados com a defesa do meio ambiente, do trabalho que se realiza, do lugar no mundo de todos e de cada um, a existência seria mais agradável para os mais de oito mil milhões de seres humanos que integramos o arquipélago Terra. Existem projetos para que a vida não seja este desespero, a Fundação conhece-os e expande-os, essa é a sua obrigação, nisso militamos. A Fundação José Saramago, que agora completa 18 anos, nasceu para ser, humildemente, uma proposta que enaltece as pessoas, culturas, vozes, projetos e vontades que lutam para superar a cegueira da razão. Seu âmbito de ação é o universo e o coração dos seres humanos. A Fundação é um lugar e um espaço, tem obrigações irrenunciáveis e um mestre. Não é pretensão chamar mestre a José Saramago se, dia a dia, ao ler os seus livros, descobrimos novas generosidades, que é o material de que está feita a Fundação e que define aqueles que a mantêm. Passaram 18 anos desde o dia fundacional. Seguimos.